A Dança é puramente Arte?

Seria fácil responder, não fosse a complexidade que potencializa o estado técnico e artístico da dança em suas mais diversas configurações como a memória, a história, os parâmetros biológicos e fisiológicos, o condicionamento físico, a consciência corporal, as opções estéticas, o diálogo com outras expressões artísticas, a poética, os processos de criação, os processos de ensino/aprendizagem e o universo pedagógico, os suportes tecnológicos, os valores humanos, as graduações, a profissionalização, os mais diversas questões que envolvem a produção de um espetáculo, etc. Tal complexidade, muitas vezes passa despercebida diante da transcendência que as incontáveis modalidades de Dança transmitem aos seus espectadores.

Por se tratar de uma área de conhecimento tão complexa, é necessário ao professor de dança, manter-se constantemente conectado às conformações intrínsecas ao estado artístico da dança que compõem essa complexa rede de artefatos que conferem à dança sua legitimidade como vasta área de investigação e produção de conhecimento.

Performance de participação no Global Water Dances – 2015

Não existe outro meio de compreender a arte da dança e conduzir o ensino da dança, senão considerando essa complexidade, que envolve uma série de aspectos relacionados à identidade humana como as emoções, as culturas, as classes sociais e econômicas e até mesmo as políticas públicas que visam o desenvolvimento social.  A complexidade deve ser exaltada e entendida não como dificuldade, mas como forma de valoração dos processos inerentes aos “fazeres” da dança.

Dessa forma, o ensino da dança necessita ser conduzido por profissionais conscientes dessa “complexidade” que envolve todo o processo de ensino/aprendizagem. O profissional deve estar preparado para transmitir conhecimento, ser coerente com o sentido da sua proposta de trabalho e estar engajado com os resultados almejados.

Segundo Antônio Nóvoa, doutor em Educação na Universidade de Lisboa, é essencial neste novo milênio a valorização do conhecimento profissional. Enquanto no século XX imperou a intensidade do capital, afirma o intelectual colombiano Bernardo Toro, o século XXI será marcado pelo poder do conhecimento. Os autênticos “fazeres” da dança comprometidos com essa nova ordem, demandam profissionais qualificados, capazes de articular teoria e prática em consonância com o conteúdo tácito das configurações artísticas da dança.

CONHECER PARA ENTÃO SER CAPAZ DE ENSINAR

A compreensão dos significados desses elementos configurativos precisa ser incorporada pelos aprendizes/bailarinos e esse processo requer professores conectados com o contexto sócio-cultural contemporâneo, ou seja, professores cientes das “demandas do mercado profissional que nos induzem a uma requalificação permanente para nos manter ativos – em estado permanente de aprendizado!” E professores cientes da gravidade das informações obsoletas, que decorrem “da velocidade com que o avanço tecnológico interfere na vida e no trabalho e todos”, como afirma o pesquisador Nelson Pretto, do Grupo de Pesquisa Educação, Comunicação e Tecnologia da Universidade Federal da Bahia.

A complexidade que envolve as atividades relacionadas com o ensino/aprendizagem da dança estimula a sensibilidade e a percepção do aluno, e aí pode esboçar a intencionalidade que personaliza o gesto e instiga a criatividade. Todo o longo e necessário percurso que promove a formação técnica e artística do profissional da dança está carregado de intencionalidades por meio dos saberes intrínsecos à teoria e à prática e a busca do sentido da expressão artística.

Professores de dança devem também estar habilitados para manejar a teoria e a prática simultaneamente, sem receio de adentrar suas misteriosas complexidades. A teoria e a prática devem ser aplicadas e relacionadas concomitantemente durante todo e qualquer processo de ensino na dança, buscando mobilizar essa interlocução que sempre culminará em experiência docente.

Festival 2015 Conexões Contemporâneas. Artista homenageado pascale Marthine

BAGAGEM CULTURAL: experiências únicas que criam histórias

A experiência permite a transitividade, sem sugerir subordinação de uma instância sobre outra. Não a experiência enganadora que é mera repetição, mas a experiência construída no percurso do prazer pelo ofício, pela reflexão, pela educação continuada, pela pesquisa e pelo amadurecimento profissional.

O pedagogo e sociólogo americano John Dewey critica a questão da experiência indagando se um professor que tem 10 anos de experiência, tem mesmo 10 anos de experiência ou tem um ano de experiência repetido 10 vezes.

A experiência só se constrói com a humildade de aprender continuamente e a destreza do professor para aplicar o conhecimento absorvido. Esse é o professor que os alunos, os aprendizes, os futuros professores e intérpretes precisam. Esse é o professor que crianças, jovens ou adultos merecem ter, independentemente de suas intenções e objetivos na dança. Independentemente do lugar onde o ensino da dança aconteça, seja no espaço acadêmico, nos cursos livres ou nos projetos sociais, as necessidades e responsabilidades humanas são as mesmas.

Assim como se escolhe um médico para cuidar da sua saúde, ao escolher um professor de dança, é importante buscar referências, conhecer sua trajetória, sua formação e sua experiência. Esse conjunto de atributos vão conferir segurança e confiabilidade às propostas de ensino, que envolvem, além do domínio da técnica específica de determinada modalidade, sua capacidade para conduzir a aula reconhecendo os possíveis desalinhamentos posturais, os diferentes biótipos dos alunos que compõem a turma, sua habilidade para orientar sobre a consciência do trabalho de fortalecimento e alongamento musculares e cuidados com as articulações,  sua capacidade para nortear a consciência da constituição esquelética; e enfim, sua competência para ensinar exercícios, sequências, variações e dinâmicas que contribuam para aprimorar a técnica, desenvolver a consciência corporal e o potencial criativo e preservar a saúde corporal do aluno; conhecimentos esses indispensáveis para um professor responsável com seus alunos e com sua profissão.

Além da sua formação, da capacidade, da experiência, e da qualidade de suas aulas, é imprescindível aos professores de dança, estarem antenados à contemporaneidade e ao fascínio que ela exerce sobre as pessoas, mas é preciso também, permanecerem atentos às suas armadilhas e seus paradoxos.

Festival CO2 – 2014

Paradoxos contemporâneos que têm contribuído para dilatar a complexidade das configurações artísticas da dança, como o acelerado crescimento do número de artistas da dança no Brasil nos últimos 20 anos. Considerando-as ainda reduzidas oportunidades no mercado de trabalho e as poucas produções artísticas, é um crescimento muito desequilibrado que reforça a informalidade profissional. Será que todos estes artistas estão bem capacitados para exercerem as atividades para as quais se propõem? Como foram preparados profissionalmente? São algumas questões, entre tantas outras, que precisam ser discutidas entre os orquestradores da dança comprometidos com o desenvolvimento social e cultural e imediatamente comprometidos com a adequação e constituição das políticas públicas que correspondam às realidades brasileiras e engrandeçam as histórias da dança em todos os níveis. Histórias e memórias que começam, muitas vezes, nos primeiros anos de vida, quando as criancinhas iniciam o aprendizado da dança, realizando seus sonhos de se tornarem futuras bailarinas.